Resende, o Café em Marvila atento aos mais sós

13 de Novembro, 2023
Paula Almeida, proprietária do Café Resende

Calhou o acaso que a conversa com Paula Almeida, proprietária do Café Resende, em Marvila, coincidisse com o dia em que comemorava o quarto ano da sua adesão ao projeto RADAR.

Desde essa altura, já se deparou e sinalizou várias situações de pessoas com mais de 65 anos. “Nós aderimos logo. Temos aqui muitas pessoas idosas que estão sozinhas, e, por isso, pensámos que podíamos ser uma boa ajuda para ajudar a sinalizar situações mais vulneráveis tendo em conta que aqui, no café, conseguimos fazer esta identificação pela proximidade que temos com elas”.

Inês Gonçalves é uma das mediadoras do RADAR que, juntamente com outra profissional, a Catarina, trabalham as freguesias de Arroios, Areeiro, Marvila e Parque das Nações. Enquanto esperamos que Paula Almeida atenda a mesa de três clientes habituais, Inês vai partilhando a sua história enquanto mediadora de proximidade, que vai muito além da simples identificação de casos de necessidade.

“As pessoas já nos conhecem, claro. Estamos todos os dias na rua, lidamos com utentes com mais de 65 anos, que entrevistamos e registamos na nossa plataforma. E encontramos, por vezes, casos muito complicados. Apesar de serem freguesias com características muito diferentes, há casos transversais, de doença, de perda de familiares, de questões de saúde mental.”

O projeto RADAR tem vindo a preencher um espaço valioso nas comunidades, nas quais os seus habitantes enfrentam, muitas vezes, a solidão e a falta de recursos de apoio.

Há sempre histórias que deixam marcas, tanto boas como más. Do lado menos positivo, as que mais impressionam são as relacionadas com pessoas que estão sozinhas, que não tiveram filhos, ou perderam o cônjuge ou irmãos, encontrando-se em situações muito complicadas. Essa é a parte mais negativa.

“Por outro lado”, diz Inês, “encontramos pessoas com idades já muito avançadas, mas que têm uma postura muito positiva. Veem as suas vidas como um desafio, quase como uma história, que gostam de contar, como que um ensinamento. E gostam de fazer e conhecer coisas novas. Torna-se curioso ver este contraste, ou seja, a personalidade e a postura da pessoa para com o envelhecimento ajuda muito à forma como se envelhece e como se encara a vida. A cabeça conta muito”, remata, a sorrir.

“Temos histórias engraçadas neste sentido: pessoas que, com a sua idade avançada, querem voluntariar-se para se ajudarem umas às outras, aprender a trabalhar com novas tecnologias, desenvolverem artes manuais, ou seja, coisas que não faziam nem sabiam antes e que agora estão a aprender, apesar das suas limitações físicas ou de saúde. Querem continuar ativas”.

Há duas iniciativas que o projeto tem vindo a desenvolver em Marvila para envolver os seus utentes. Uma delas é o café Radar. Inês explica: “No fundo, pegamos num radar comunitário, como este em que nos encontramos, e convidamos algumas pessoas já identificadas na zona a comparecerem. Fazemos uma espécie de ‘tertúlia’ – trazemos um tema e essas pessoas passam uma tarde a conversar sobre isso (e não só), a conhecerem-se melhor e a partilharem experiências. Isto é tão mais útil quando as pessoas, dentro do próprio bairro, às vezes só se conhecem ‘de vista’. Não sabem o nome de cada uma, não sabem as suas histórias. Então, promovemos estas iniciativas para que as pessoas possam vir à rua para se conhecerem melhor. É algo que temos feito em todas as freguesias, pelo menos, uma vez por mês. Acabamos por juntar o radar comunitário, as pessoas e nós, mediadores”.

“Há uma outra atividade que desenvolvemos para promover a participação das pessoas em termos de cidadania. Chama-se ‘O que é que mudava no meu bairro?’ No fundo, a ideia é a mesma: juntamos um grupo de idosos, para o qual desenhamos, com a junta de freguesia, um percurso pela rua, e esses idosos vão dizendo ‘aqui faz falta um banco porque eu canso-me quando vou à farmácia’, por exemplo, ‘e preciso de me sentar um bocadinho para descansar’. A ideia é que os utentes possam manifestar as suas maiores necessidades nestes percursos”. A informação obtida é depois transmitida à junta de freguesia e, posteriormente, à Câmara Municipal de Lisboa para apreciação.

No Café Resende, Paula Almeida recebe, todos os dias, dezenas de clientes, na sua maioria constituída por pessoas com mais de 65 anos. Por lidar com esta realidade diariamente, enfatiza a importância do Radar Comunitário, como este preenche uma lacuna crucial na vida dos mais velhos e proporciona uma sensação de segurança a quem mais precisa.

“Por várias vezes, dei os contactos das pessoas que identificávamos às mediadoras para que elas pudessem chegar a esses casos. Nós sabemos a rotina de cada um, a que horas costumam aparecer por aqui, pelo que, se tal não acontecer, ficamos logo alerta, pois algo de anormal pode ter ocorrido. Tivemos um caso, há uns tempos, de um senhor que não apareceu como era costume e, quando o procurámos, ele estava de facto a precisar de ajuda”.

A proprietária de um dos 218 radares da freguesia de Marvila não tem dúvidas: “Percebemos que houve muita gente a aderir ao RADAR, não só através do nosso estabelecimento, mas porque as meninas fazem um excelente trabalho, de reconhecimento e de baterem a todas as portas”.

Inês Gonçalves concorda: “Acho que somos muito importantes no desenvolvimento desta ligação entre essas pessoas e as associações que existam no território. Não chegamos a todos os casos, mas a grande parte deles. O nosso trabalho não se cinge apenas à ‘parte má’, ou seja, na procura por apoio domiciliário ou de centros de dia, por exemplo. Nós ajudamos também as outras pessoas que estão e são independentes, que querem continuar a ser participativas na sociedade e, que às, vezes não sabem como o fazer. E nós estamos aqui também para fazer essa intermediação”.

Paula Almeida, emocionada, declara que quer manter-se enquanto RADAR, enquanto ‘farol de alerta’: “Tudo o que pudermos fazer para ajudar, fá-lo-emos. As pessoas estão mesmo sozinhas. Muitas sem familiares. E para mim é importante contribuir para que esta população específica se sinta mais acompanhada”.

Neste encontro, ficou prometida a realização da ‘tertúlia’ no Café Resende nos próximos tempos.