Nunca conheceu outro ofício, cresceu com o gosto da costura herdado da sua avó. Entre fatos à medida e conversas de ocasião, neste estabelecimento de porta sempre aberta está Maria da Graça, seja para arranjar uma peça de roupa, ajudar com a “papelada” dos vizinhos mais velhos, ou, simplesmente, para ouvir quem já não tem ninguém para falar.
É numa rua escondida, na freguesia do Parque das Nações, entre o aglomerado de escritórios e grandes companhias internacionais e a linha do comboio, já com os Olivais à porta, que Maria da Graça abre o seu estabelecimento, todos os dias. Quis o destino ou o “feitio” herdado da mãe que fosse modista. Já lá vão mais de 35 anos, primeiro a trabalhar por conta de outrem, depois, desde há uns anos, a aventurar-se sozinha no “mundo caótico de ser dona do meu destino”, como afirma com carinho.
“A minha mãe já era costureira e não queria que eu andasse a empurrar a agulha, mas quando acabei a escola não havia trabalho e para mim era natural seguir esta via, até porque cresci a ver a minha mãe a trabalhar toda a vida nesta área”, conta.
Depois de várias experiências a trabalhar em grandes lojas, fábricas e ateliers de costura, Maria da Graça, resolveu dar uma pausa na carreira como modista e dedicou-se a pequenos trabalhos domésticos. Aí começou a perceber, ao trabalhar em casas de pessoas mais velhas, que a solidão em vários casos “é uma doença silenciosa”.
Foi há 11 anos que, depois de várias experiências de trabalho em outras áreas, decidiu, com o apoio da filha, procurar um espaço para montar o seu pequeno negócio. E foi assim que, depois de alguma procura, soube -através de uma antiga “patroa” com quem colaborou num espaço, na Avenida de Moscavide- de uma pequena loja para alugar, na rua José Campas, nº 6.
Boa conhecedora da realidade da sua rua e do bairro assume que, antigamente, as pessoas “olhavam mais umas pelas outras”. Nos dias de hoje já quase ninguém “quer saber se o vizinho está bem ou está mal”.
“A população desta rua está envelhecida e o espírito comunitário foi-se perdendo ao longo dos tempos. Mas o grande problema é a solidão. Há muita gente sozinha. Não têm com quem falar” e “a pandemia também não ajudou. Se as pessoas já se sentiam sozinhas, depois deste período, houve vizinhos que nunca mais saíram de casa”, sublinha.
No seu atelier, Graça conta que acaba por ser mais do que uma costureira. Cortar, coser e medir os “figurinos” são apenas algumas das funções. As pessoas, maioritariamente mais idosas, procuram-na por conhecerem a sua boa vontade e agilidade na resolução de problemas. Numa manhã, arranja uma peça de vestuário e fala com o centro de saúde. Já à tarde, liga às operadoras de telecomunicações para que alguém não fique sem televisão. Faz o que pode para ajudar quem não tem ninguém, ou quem vive longe dos seus familiares. A maior parte das vezes, simplesmente, ouve quem vive em solidão.
Sinal da mudança dos tempos, Graça acredita que o bairro onde trabalha tem tudo para ser “um dos melhores sítios para viver e passear em Lisboa”, embora acredite que desde que o Parque Expo foi feito “muito se perdeu na dinâmica de vizinho com vizinho”. “Quando vim para esta zona da cidade, primeiro aqui ao lado, em Moscavide e agora deste lado da estrada [Parque das Nações], todos se conheciam, os cafés estavam cheios e as notícias corriam mais rápido, bastava alguém não aparecer no café do bairro que rapidamente alguém ia bater à porta da pessoa”, conta.
Foi a pensar nestas situações que o atelier da Maria da Graça foi desafiado pela equipa de mediadores do RADAR a entrar na plataforma do projeto, como radar comunitário. Em 2020, a modista passou a integrar a rede de radares comunitários, e, de lá para cá, a parceria tem-se revelado de extrema utilidade para a população mais velha do bairro.
“É muito bom o RADAR estar neste bairro. As pessoas mais velhas, desta zona, estão muito sozinhas e eles são incansáveis com elas, estão sempre prontos a ajudar-nos em tudo”, salienta Graça, recordando que desde que é radar comunitário já identificou várias pessoas com carência afetiva, social e financeira que, “felizmente, estão melhor agora porque o RADAR existe na vida delas”.