A freguesia da Ajuda tem 143 radares comunitários que, todos os dias, auxiliam a identificar os idosos mais desprotegidos.
Carla Catarino é a diretora técnica da farmácia Mendes Gomes no n.º 220 da Calçada da Ajuda. É lá que trabalha há 24 anos, tempo mais que suficiente para conhecer quase toda a população idosa que ali reside.
Por isso, quando em 2019, numa reunião da junta de freguesia local, ouviu falar do Radar Comunitário, não hesitou em juntar-se à equipa de mediadoras. “Fez-me logo sentido integrar este projeto pois identifiquei-me com a causa. Ainda mais depois de conhecer a Maria e a Mariana. Gostei do trabalho delas e da forma como atuam”, diz Carla.
Maria Luís e Mariana Mendonça são as mediadoras de proximidade: a primeira da Ajuda, a segunda de Belém e Alcântara. Com Carla Catarino, formam uma task force dinâmica, bem-disposta e vigilante, sobretudo.
O processo é simples. Explica-nos Maria Luís que “a aproximação é feita à população residente na freguesia com 65 anos ou mais. Esse trabalho normalmente é feito porta-a-porta, pois só assim é que conseguimos chegar a todos os casos. Depois falamos também com os responsáveis pelos estabelecimentos de comércio local – farmácias, cafés, restaurantes, mercearias – que têm uma relação de maior proximidade com a população”. A mediadora não tem dúvidas: “é nestes espaços que os idosos desabafam, fazem confidências. Logo, é através destes sítios que nós temos conhecimento de que algo pode não estar a correr bem com algum idoso”.
Carla Catarino corrobora a explicação: “as pessoas desta faixa etária fazem o mesmo percurso quase todos os dias, isto é, vão sempre à mesma farmácia, tomam o pequeno-almoço no mesmo café, almoçam no mesmo restaurante, fazem compras na mesma mercearia. Quando existe alguma fragilidade ou vulnerabilidade nestas pessoas, toda a comunidade se apercebe”.
A farmacêutica refere ainda outra vantagem de ser Radar – a circunstância de funcionar como um ‘quebra-gelo’: “nós somos também importantes porque temos mais à vontade para abordar as pessoas que aqui vêm. Ou seja, às vezes estes idosos são mais desconfiados e pouco recetivos ao contacto das mediadoras, até porque estão sempre a ouvir falar de burlas e de pessoas estranhas que os podem tentar enganar. Ora, nós intervimos aí. Se eu lhes disser que podem confiar nas ‘meninas’ e pedir-lhes ajuda, mais facilmente eles o farão porque me conhecem e confiam em mim”, afirma, com algum orgulho.
A equipa já identificou situações várias, algumas até inusitadas. Carla Catarino recorda o caso de uma senhora que, por altura da pandemia, começou a viver na lavandaria de que era proprietária. “A casa dela era em Sintra, mas tinha aqui [na freguesia da Ajuda] uma lavandaria. Como deixou de poder conduzir devido a problemas de demência, ‘barricou-se’ no estabelecimento e fez dele a sua casa. O estado a que este chegou fez com que houvesse várias queixas à polícia municipal e à junta de freguesia. Felizmente conseguimos os contactos das filhas para ajudarem a desbloquear a situação. Mas foi muito complicado”.
Esta história leva Carla Catarino a considerar algo que tem constatado. É que a população idosa não quer dizer aos filhos como realmente se sente: “por vezes pensa-se que não existe interesse por parte dos filhos dos idosos na sua situação, o que não é verdade. A verdade é que são os pais que não querem dizer aos filhos que não estão bem ou mostrar-lhes que estão mais frágeis, porque sentem que podem perder a independência de estarem na sua própria casa e terem de ir para um lar”.
Maria Luís, Mariana Mendonça e Carla Catarino são uma pequena parte de uma estrutura que abraçou a missão do radar comunitário como sua. E não pretendem parar, até porque, como dizem com alguma graça, “estamos na Ajuda. Gostamos muito de ajudar”.