Conhecem a realidade que os rodeia, as pessoas e as suas dificuldades e anseios. É mais que uma farmácia. É um consultório de psicologia, um espaço de conversas, mas, acima de tudo, uma porta aberta, com uma equipa pronta para ajudar.
A rotina repete-se todos os dias. Ainda o sol rasga as primeiras horas da manhã, já a azáfama da cidade se faz sentir neste largo da cidade, mesmo com o Tejo ali à espreita. Por aqui passam diariamente centenas de pessoas, entre turistas, moradores da freguesia e clientes apenas de passagem pelo local, mas nem sempre para comprar medicamentos. Algumas querem apenas saber indicações para alguns dos marcos turísticos da freguesia, outros para aviar uma receita de ocasião e outros ainda para “desabafar” sobre as amarguras da vida.
Quem chega à Farmácia Calvário rapidamente percebe que este é um ponto fulcral do bairro. No seu interior, cinco farmacêuticos desdobram-se em vários trabalhos, seja entre a entrega de medicamentos, explicações das receitas médicas que alguns utentes não conseguem perceber, ou ainda em conversas de ocasião que mostram as relações de confiança que aqui existem. “Nós somos uma farmácia muito ligada à comunidade, mas para além de farmacêuticos, somos também psicólogos, enfermeiros ou médicos. As pessoas procuram-nos para muitas questões, para além dos cuidados normais de uma farmácia”, esclarece a diretora técnica. Para Joana Pereira as farmácias devem ser um espaço social, onde a “preocupação com a comunidade deve ser constante”.
“Temos uma população muito variada em Alcântara. Temos o turista, o estudante, temos várias pessoas que se mudaram para aqui para trabalharem remotamente e depois temos os nossos idosos, que, cada vez mais, estão mais sozinhos e nós através de parcerias com outras entidades da freguesia, tentamos ajudar estas pessoas”, explica a diretora técnica.
Mas é entre portas e atrás do balcão que se praticam os valores da confiança e da proximidade. “Costumamos dizer sempre, que só não ajudamos se não pudermos”, frisa Joana Pereira. Na farmácia não se distingue nenhum utente pela sua condição ou problema, embora Joana Pereira reconheça que sem a intervenção de projetos como o RADAR “era impossível ajudar tantos idosos”.
A integração da Farmácia Calvário ao RADAR foi em 2019, meses antes de ser decretada a pandemia de Covid-19 em Portugal. A equipa dos mediadores de proximidade do projeto RADAR efetuavam mais uma ação de rua na freguesia de Alcântara.
Entre os muitos comércios visitados, estava a farmácia dirigida por Joana Pereira, a quem deram a conhecer o RADAR, projeto de intervenção comunitária que pretende identificar a população 65+ da cidade de Lisboa. A adesão ao mesmo veio reforçar o olhar atento com que a equipa da farmácia já olhava para esta faixa da população lisboeta e a direcionar os pedidos mais urgentes para a equipa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Até ao momento, já foram encaminhados para o projeto alguns moradores da vizinhança, que se encontravam em carência afetiva e isolamento social.
“Com esta parceria com o RADAR começamos a ficar ainda mais alerta para eventuais necessidades das pessoas. As mediadoras estão sempre prontas a ajudar-nos em tudo”, confessa a diretora técnica, frisando ainda que foi na altura da pandemia que esta parceria, com o projeto RADAR, se acentuou. “A pandemia, sobretudo nas pessoas mais velhas, deitou-os muito abaixo. Pessoas que já estavam isoladas ficaram ainda mais e sentimos que, fora todos os outros problemas de saúde que estas pessoas já tinham, o isolamento e a solidão foi o que mais se destacou”.
Mais do que sinalizar situações de risco, os radares comunitários ajudam a equipa do RADAR a fazer um levantamento da população, fornecendo mais informações sobre as pessoas identificadas. Para Joana Pereira, o sucesso do RADAR deve-se, sobretudo, “a um trabalho em rede, em que todas as partes são importantes”.