Loja de artigos para animais de estimação funciona como radar comunitário. A cliente mais especial tem 94 anos e já é da família.
O pequeno mas acolhedor espaço do Empório do Bicho, uma loja de artigos para animais de estimação na zona do Príncipe Real, começa a ficar cheio à medida que chega a hora marcada. Rui Miguel, o proprietário da loja, está do outro lado do balcão, mas a estrela da tarde ficará deste lado, numa cadeira que, para já, está propositadamente vazia.
O Empório do Bicho é um dos mais antigos radares comunitários da cidade de Lisboa. Aderiu à plataforma RADAR logo no início do projeto, em 2019, e Rui Miguel explicou a decisão.
“Tendo em conta que estou aqui no bairro desde 2008, e sendo esta uma loja de bairro, praticamente conheço o bairro todo. Quando o projeto me foi apresentado pensei logo que fazia todo o sentido. As pessoas mais velhas passam por aqui e nós, que estamos na loja, percebemos que aquele bocadinho que estão aqui a conversar é bom para elas, é importante. Por exemplo, precisam de mudar uma lâmpada e vêm cá. Qualquer pequeno motivo serve para virem aqui ter meia hora de conversa”, refere.
Além de Rui Miguel, está igualmente na loja um agente da PSP, parceira do projeto RADAR, e a mediadora Sara Ferreira, que admite que o Empório do Bicho se tem “portado muito bem desde 2019”: “Tem sido os nossos olhos aqui na rua”, acrescenta.
O proprietário do estabelecimento agradece o elogio e dá um exemplo do bom funcionamento deste radar comunitário: “Houve um caso em particular em que a senhora vive sozinha e tinha um filho em França que faleceu de repente. A primeira pessoa a quem ela recorreu fui eu. Foi-se completamente abaixo, não havia família a quem recorrer. Eu sinalizei o caso e os serviços funcionaram muito bem, porque passadas umas horas estava uma psicóloga da junta a falar com a senhora”.
“Apaixonei-me por ele”
A conversa flui quando alguém se aproxima da porta e à pergunta “Como está, dona Adelina?” ouve-se a resposta numa voz doce, embora marcada pela longa vida de 94 anos: “A dona Adelina está murcha”.
Surge então Adelina, entrando devagarinho, que o tempo das pressas já lá vai. Quando vê tanta gente no seu poiso habitual, atira: “Nunca tive tantos fãs como agora!”.
Enquanto ocupa a cadeira que lhe estava reservada, voltamos à conversa com Rui Miguel, que nos conta uma terna história de proximidade entre ambos.
“A Adelina vem aqui à loja ter comigo há 12 anos. Praticamente vem cá todos os dias. Costumo dizer que é a minha colega que faz aqui um part-time. Não tem família nenhuma e desde o primeiro ano que já passa natais e aniversários com a minha família. Foi completamente adotada. E convém esclarecer que ela não tem nada para deixar a ninguém”, adverte entre risos.
Ao mesmo tempo, Adelina vai esforçando a parca audição para responder a mais perguntas que lhe vão chegando, a última delas sobre o que comeu ao pequeno almoço antes de vir ter connosco.
“Uma carcaçazinha mais velha do que eu!”, responde com sentido de humor, voltando ao tom mais sério logo de seguida: “Mas eu de pequenina fui habituada a açorda, de maneira que não sou esquisita e como tudo”.
Sempre simpática, trata Rui Miguel por neto e confirma a adoção citada por este: “Conheci-o aqui, comecei a vir cá comprar comida para a gata e apaixonei-me por ele. É o meu neto. Não somos família, mas é como se fôssemos, porque não tenho ninguém”.
A gata de que fala já morreu após uma longa vida de 18 anos, mas hoje tem outra que lhe faz companhia em casa, a Tuxa. Entre a companhia de Tuxa e a de Rui Miguel, os pequenos tempos que vai tendo sozinha vão sendo cada vez mais escassos, particularmente após um assalto que sofreu quase à porta de casa há poucos meses. Adelina recorda que “uns malandros” levaram-lhe a mala, pouco depois de Rui Miguel a ter deixado já perto da sua habitação. A tristeza invade-lhe os olhos que tudo viram, mas de repente estes voltam ao tom alegre característico de Adelina, quando esta muda rapidamente de conversa e mira o nosso fotógrafo: “Resumindo e concluindo: estou pronta para a fotografia!”.
Realçando sempre a importância do apoio de Rui Miguel e do projeto RADAR, Adelina vai falando connosco numa amabilidade contagiante e, enquanto se ajeita para a fotografia final, deixa mais uma das suas cómicas tiradas:
“Pareço a Amália a ser entrevistada! Só faltam aqui os guitarristas”.