Na freguesia de Serafina, em pleno ‘pulmão’ de Lisboa, situa-se o espaço que acolhe o projeto ‘Cheios de Vida’ que, em parceria com o radar comunitário, já ajudou à diversão de muitos idosos.
É uma casa amarela numa das extremidades do bairro. Foi reabilitada com a ajuda da população local, que pretendia recordar as boas memórias de outrora. Lá, na casa amarela, onde agora se desenvolve o projeto ‘Cheios de Vida’, já tinha nascido outro projeto, nos anos de 1930, em que duas irmãs pertencentes à Congregação Amor de Deus quiseram ‘fazer o bem’ junto das mulheres, através de uma educação que lhes proporcionasse maior e melhor autonomia.
E foi esta maneira de estar que inspirou o nascimento do ‘Cheios de Vida’, focado especialmente na população idosa. “São os mais velhos, os que ficam em casa a tomar conta dos netos ou, então, os que estão sem companhia”, explica Ercília Monge, presidente da comissão executiva do Externato “Educação Popular”, parte integrante do projeto.
“Ajudamos os idosos numa lógica intergeracional, ou seja, tentamos encontrar interesses que conectem todo o agregado familiar, especialmente os mais seniores. E, para tal, o externato desempenha um papel crucial, uma vez que temos mais de 500 alunos, o que significa, pelo menos, 500 famílias às quais conseguimos chegar”.
A parceria com o radar comunitário do projeto RADAR surgiu a meio de 2022 e, em conjunto, foram, literalmente, bater às portas das casas do bairro no sentido de identificarem e localizarem situações de idosos sozinhos ou solitários, desinteressados ou desmotivados, que não conseguissem comunicar com o exterior ou locomover-se. Muitas deles estavam fechados em casa há muito tempo. Demasiado tempo.
“Começámos a pensar no que poderíamos fazer para tirar aquelas pessoas de casa, para conviver com outras pessoas, apanhar ar… O que é que os fará sair de casa? – pensávamos. E fomos, porta-a-porta, com a equipa do radar. Descobrimos algumas situações através dos alunos do externato e dos seus pais. Falavam connosco para nos alertar. E passámos a incluir cada vez mais os avós nas atividades que desenvolvemos”, conta Ercília Monge.
Uma delas, que junta crianças, adolescentes e séniores, é o projeto ‘Educação para a Paz’, uma espécie de tertúlia onde todos conversam: falam sobre o mundo, das notícias que veem na televisão abordando as diferentes realidades dos povos, sobretudo aqueles que não vivem em contexto de paz. Os mais velhos costumam contar e relembrar experiências de vida de outros tempos.
Também há o projeto ligado à agrofloresta. Foi construída uma mini estufa onde os séniores semeiam vários géneros em pequenos canteiros para mostrarem aos mais novos o processo de cultivo dos produtos.
E depois há ainda as atividades – desde momentos culturais a exposições – que juntam trabalhos feitos pelos mais novos para serem depois mostrados em contexto de semanas culturais, por exemplo, a toda a comunidade do bairro, sobretudo, claro, aos menos novos.
Mas os dois momentos mais marcantes deste ano e meio de parceria entre o radar comunitário e o ‘Cheios de Vida’ foram marcados pela música.
“Num deles, juntámos vários alunos nossos a tocarem diferentes instrumentos, ‘dando música’ e ritmo aos mais velhos que cantaram e dançaram numa alegria como há muito não se via nos seus rostos. O outro momento foi numa noite de fados. Há muito que ouvíamos alguns idosos dizerem ‘há que tempos que não oiço um fadinho’. Nem pensámos muito mais. Convidámos alguns fadistas de renome, organizámos o ambiente e trouxemo-los a esta casa, que se encheu por completo, incluindo no exterior, da população idosa aqui do bairro. Foi, indiscutivelmente, dos melhores momentos que estas pessoas viveram, muitas delas que não saíam de suas casas há muito, muito tempo”, recorda a diretora, emocionada.
Ercília Monge diz que há ainda (e sempre) muito trabalho por desenvolver: “cada idoso identificado é uma sensação de alívio que sentimos. Precisamos muito do radar para continuarmos esta missão”.
Uma missão que tenta, todos os dias, levar mais um sénior à casa amarela.