Conhece todos os vizinhos da rua, as suas preocupações e anseios. Neste local a porta está sempre aberta e pronta para ajudar quem necessita. Seja para beber um chocolate quente, num dia gélido de inverno, para um bom dia ocasional, ou simplesmente para adoçar aqueles dias mais tristes.
Marta Cruz é o cérebro e as mãos de todo o projeto da Miss Brownie. Um estabelecimento acolhedor e intimista, no número 5 da rua Rodrigo Reinel, no Restelo – freguesia de Belém – entre a escola EB Moinhos do Restelo e o mítico estádio do Clube de Futebol “Os Belenenses”. Advogada por vocação, quis o destino que descobrisse a paixão pela pastelaria. Já lá vai quase uma década. Fala com carinho do seu trabalho. “É mais que uma paixão, é uma missão. Gosto imenso do que faço e ainda bem que decidi escolher este caminho.”
Boa conhecedora da realidade da sua rua e do bairro que a acolheu, recorda que a decisão de abrir a Miss Brownie neste local, “foi rápida”. No entanto, acredita que por estar no Restelo, ainda existe alguma resistência e “talvez vergonha” por parte dos vizinhos em pedir ajuda.
“Nesta zona praticamente conhecemos toda a gente, até os filhos, os sobrinhos, das pessoas que aqui moram”, realça Marta, considerando que existe uma “ideia errada” sobre os moradores desta zona da cidade, porque “nem todos são abastados financeiramente e também existe bastante solidão entre as pessoas mais velhas”.
Ainda assim, Marta considera que o Restelo “é das zonas de Lisboa mais bonitas e solidárias da cidade”, frisando que durante a pandemia de Covid-19, todos os moradores do bairro foram “inalcançáveis”.
“Não é segredo para ninguém que existe um antes e um depois da Covid-19. Se os negócios sofreram bastante – e nós não fomos exceção – também é verdade que vimos uma solidariedade sem precedentes, entre as pessoas, que de uma maneira ou de outra conseguiram fazer das contrariedades forças”, comenta.
Uma porta aberta a todos
Em 2019, depois de alguns contactos presenciais com a população idosa, a equipa do projeto ficou a conhecer Marta Cruz, a quem apresentou o RADAR, o primeiro projeto de intervenção comunitária que pretende identificar a população 65+ da cidade de Lisboa. “Nós sempre tivemos no nosso espaço a consciência de intervenção social. Somos sete de momento e alguns dos nossos estagiários vêm da Casa Pia e sempre quisemos ser parte da nossa comunidade”, recorda.
Após a integração da Miss Brownie na rede de radares comunitários, a confeitaria passou a redobrar os esforços na identificação das pessoas desta faixa da população e a direcionar os pedidos mais urgentes para a equipa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Até ao momento, já foram encaminhados para o projeto alguns moradores da vizinhança, que se encontravam em carência afetiva e isolamento social.
“Aderimos ao projeto porque temos uma parte da população bastante idosa e, depois, há uma enorme proximidade entre estas pessoas e o nosso espaço”, destaca.
O espírito de Natal anda no ar
Em pleno mês de dezembro, a rua está deserta e o frio faz-se sentir. Ainda assim, quem passa pela confeitaria não fica indiferente à montra da Miss Brownie, especialmente decorada para esta quadra natalícia. Uma árvore de Natal, um urso de peluche, alguns soldadinhos de chumbo e uma aura natalícia de fazer inveja a muitos espaços comerciais.
“Já fazemos isto há algum tempo. A nossa montra é o espelho do que somos e do que queremos ser, um espaço de sonhos, realizado em cima de um”, diz.
Um dos aspetos que Marta gosta nas suas montras de Natal é o facto de ser uma espécie de “mundo encantado”. “Às vezes estamos cá dentro e olhamos lá para fora e vemos os pais com os filhos, ou os avós com os netos a admirarem a montra. Só isso já nos enche de alegria, ver que conseguimos trazer esta magia a miúdos e graúdos”.